Para marcar o lançamento de UPROOTED- Desenraizados – Como 3000 anos de civilização judaica no mundo árabe desapareceram da noite para o dia- foi realizada uma live em parceria com a Hebraica que contou com a participação da autora Lyn Julius
Por Renata Trief Roitman

A história das comunidades judaicas milenares dos países árabes não é conhecida por muitas pessoas, pois é um assunto que não faz parte dos currículos escolares e não é muito comentado pelos próprios judeus. A fim de colocar luz sobre este tema e contar a história destas pessoas, expulsas de seus países de origem, a editora Kadimah está lançando em português o livro Desenraizados, da jornalista inglesa Lyn Julius, que pesquisa a história destas comunidades há dez anos. Afinal, como disse a escritora: “Escrevi porque não havia muitos livros que contam esta história”.
Para marcar o lançamento do livro, o canal da Hebraica - Nossa Casa, em parceria com a editora Kadimah, realizou uma live. O bate-papo contou com a participação da escritora, que respondeu perguntas em espanhol; além do cônsul de Israel em São Paulo Alon Lavi; do presidente da Hebraica Daniel Bialski e do editor Nessim Hamaoui. A conversa foi mediada por Lia Levin, cujo avô era egípcio.
O cônsul concorda com o fato do tema não ser devidamente comentado. “É uma história importante de parte do nosso povo, do Estado de Israel, que tradicionalmente não foi mencionada e não foi compartilhada”, afirmou Alon Lavi. Um de seus avôs e seu bisavô nasceram no mandato britânico de Israel e sua família é originária do Marrocos e do Iraque.
Bialski destacou que além da lei que determina a lembrança da saída dos judeus dos países árabes, há outra que determina que Israel só pode celebrar um acordo de paz com os países árabes se eles se comprometerem a indenizar as famílias que perderam tudo quando tiveram que fugir para sobreviver. Conforme retratado no livro, estas indenizações são alvo de muitas polêmicas e também não recebem a atenção devida.
“Esta história é desconhecida do povo judeu. Eu posso dizer que a comunidade sefaradi também não conhece muito da história. Só agora há mais livros sobre a vida que os judeus tinham nos países árabes. Mas não havia em inglês um livro que contasse a verdadeira história”, explicou a escritora.
Lyn esclareceu que um dos principais objetivos da obra é quebrar alguns mitos, já que eles são muito comuns ao se falar de Oriente Médio. Por exemplo, algumas pessoas pensam que todos os judeus vieram da Europa. Isso não é verdade, já que mais de 50% da população de Israel têm raízes em países árabes ou muçulmanos. Israel é fundamental para os judeus ashkenazis e sefaradis, mas os últimos são originários da região, remontando a comunidades que já existiam mil anos antes do surgimento do Islã.
Outro mito é que judeus e muçulmanos sempre viveram em harmonia e paz. Isto não é verdade. “Se dizia também que não havia antissemitismo nos países muçulmanos. Havia uma espécie de antissemitismo porque os judeus não eram vistos propriamente como seres humanos”, disse Lyn.
A autora esclareceu que no Império Otomano o antissemitismo não era tão forte. Por outro lado, na parte do mundo muçulmano que não era governada pelos otomanos, como Marrocos, Irã (antiga Pérsia) e Iêmen, havia o status dhimmi, que determinava, de acordo com a lei islâmica, que os judeus eram inferiores aos muçulmanos e tinham que pagar um imposto especial, usar roupas diferentes e morar em bairros separados. “As condições variavam muito de acordo com o governante. Havia mais povos não muçulmanos no Império Otomano porque o antissemitismo não era tão forte”, esclareceu Lyn.
A situação se agravou ainda mais no século XX com o aumento do antissemitismo, a ascensão de Hitler e do nazismo. Cresceu a ideia de que os judeus que vinham da Europa queriam dominar o mundo. Foram surgindo leis discriminatórias contra os judeus nos países da Liga Árabe. Eles foram privados de seus bens, tiveram contas bancárias congeladas. A autora conta que a situação foi ficando cada vez mais difícil para essas comunidades: “Quando foi declarado o Estado de Israel, estes judeus só queriam ir embora, mas não foi possível até que Israel organizou operações de resgate destas populações, como no Iêmen e no Iraque”.
Não se sabe o valor exato das propriedades confiscadas das famílias judias que saíram dos países árabes, mas uma empresa de contabilidade fez uma estimativa de cerca de 250 bilhões de dólares. “O que se sabe é que perderam o dobro do que perderam os palestinos, porque esta população judia era muito urbana. No Egito, por exemplo, quase todas as embaixadas de hoje pertenceram antes a famílias judias e têm um valor enorme”, explicou Lyn.
Poucas pessoas conseguiram ser indenizadas, apenas as que têm nacionalidade inglesa ou francesa no Egito. Elas receberam algo dos governos destes países, não do governo egípcio. “Alguns indivíduos quiseram fazer processos legais, por exemplo, no Egito. Mas, no final, não conseguiram porque as indenizações na moeda egípcia não valem nada”, afirma a escritora.
Alon Levi fez um paralelo com a situação dos refugiados palestinos. “Parte de nossa postura, do Estado de Israel, é a de que uma solução dos refugiados palestinos precisa ser adequada à realidade dos refugiados judeus. Porque, no final, tivemos quase a mesma quantidade de refugiados. A diferença é que em Israel e em outros países, todos os judeus foram absorvidos e receberam cidadania, começaram uma vida nova sem reclamar. Por outro lado, os refugiados palestinos ainda mantêm o status de refugiados e isso é parte do problema e da razão pela qual não há solução para este conflito, porque estão perpetuando esta realidade”, explicou o cônsul.
Outro problema destacado pela escritora é que as populações dos países árabes negam que tenham havido judeus em seus países. Ou afirmam que ainda existem milhares e que eles vivem muito bem. Muitos ainda simplesmente não sabem que existiram grandes comunidades judaicas milenares. “Se alguém diz que esses judeus morreram como refugiados, os árabes dizem ‘não é verdade. São os sionistas que haviam causado o exílio’ ou dizem que eles saíram por vontade própria. São estes mitos que eu tento destruir em meu livro”, disse Lyn.
Nessim destacou que é refugiado, pois nasceu no Cairo em 1948 e veio para o Brasil em 1959. “Eu saí do Egito há 60 anos e não temos falado muito sobre isso. Lembro o momento em que tomei consciência há 15 anos e levantei os papeis do meu pai. Eu tentei saber o valor daquilo que o meu pai deixou e nós chegamos ao número atualizado de 10 milhões de dólares, entre fábrica, loja, imóveis, fora o dinheiro que ficou em um banco”, contou o editor, destacando que acha pouco provável o pagamento de indenizações.
A autora explicou que existe um projeto para a criação de um fundo internacional para o pagamento de indenizações aos refugiados judeus e aos refugiados palestinos: “O presidente Clinton sugeriu em Camp David em 2000. Eu creio que esta seria a melhor ideia para resolver este problema. É uma forma de dizer que os refugiados dos dois lados receberão indenizações e todos os países contribuiriam para este fundo. A maior parte ficaria, é claro, com os Estados Unidos. É a solução mais justa”.
Conforme destacou o cônsul, a história dos judeus dos países árabes é um assunto que faz parte da história judaica, sendo fundamental conhecê-lo: “É importante que seus filhos, seus vizinhos, seus familiares conheçam esta história que é tão importante, faz parte do povo judeu, do Estado de Israel”.
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