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As duas faces de Eva
Eterna, no imaginário poético feminino, resiste a dualidade das figuras do anjo e do demônio. A História da Literatura e das Artes, em geral, demonstra a ousadia de algumas mulheres que tentam romper a fronteira muito tênue entre a delicadeza do erotismo e a submissão permissiva do silêncio diante da explosão do amor.
Essa dualidade cria uma linha de equilíbrio entre dois pontos frágeis: o da partida para a aventura e o da chegada perigosa para a concretização do amor sensual, qual artista circense - a doce e linda equilibrista - que esconde da plateia, no sorriso colado e no rosto pintado de branco o rubor do medo e do vexame pela simples hipótese da queda. Raras são, por isso, as mulheres que escrevem com coragem e sem pejo de fúteis críticas. Mas assim é Débora.
Desnuda a alma feminina que se apaixona, que vive o momento fugaz ou a saudade permanente, a solidão do depois ou a dor da ausência prolongada. Com imagens de extrema ansiedade vai dedilhando a melodia do encontro com esse sentimento dúbio chamado amor e muitas vezes confundido erroneamente com a paixão, essa lava que escorre queimando nossas encostas. Assim surgem imagens, figuras e metáforas de intensidade surpreendente em meio a palavras que, em nossas bocas, soariam normais ou inexpressivas.
[...]
A pouca referência a alegria é pontual, como nos secos versos do terceto Alegria:
A alegria simples
da roupa lavada
num dia de sol.
No mais, de queda em queda, de desencontro em desencontro, de solidão em solidão, de desperdício de amor em desperdício de amor, Débora segue adiante. Quer o encontro. De quem? Essa a pergunta mais dolorosa em sua Via Crucis. Claro que há momentos de pausa, de respiração profunda, mas a dualidade não é descartada: terra e mar; água e fogo; cair e levantar; unir e dividir; avançar e recuar; partir e restar; estar e não estar; sonho e realidade; doar-se e não ser recebido; ganhar e perder. Perder-se. Tudo em torno da dualidade que culmina, para o ser humano, com a principal oposição: a vida e a morte.
Uma sequência de dores e de perdas, sem qualquer previsão de alegria dirigida a vários amores: um homem que parte sem se despedir; Federica que escapa de sua gaiola e deixa apenas uma pulseirinha para preencher tamanho vazio; uma gata que finda sua trajetória de vida e a referência mais vívida; a perda do pai, quase ao final, como a fechar um ciclo de dores com o qual a autora terá de conviver.
A solução encontrada é também dolorosa: seguir, apesar de. É isso que a autora faz, com a bravura dos bons poetas: seguir adiante, escrever, contar, fazer (re)conhecer as dores de cada um, procurar ainda que ao lado de um colchão sujo, “um vaso de flor / a dar um ar / de lar...”, “sentindo cada passo, vendo cada azul do céu, permitindo ser assim, o paraíso, que sou sem fim...”, À la recherche du Paradis Perdu.
Uma leitura rápida não permitirá jamais atingir a profundidade desses versos. Por esta razão, recomendo que sejam lidos muitas vezes, em várias horas do dia e da noite, dos vários momentos que tivermos à disposição no percurso da vida de cada um, efêmera e imprevista. Quem sabe então – e só então! - o leitor mais atento encontrará as duas faces de Eva...

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